sábado, 25 de setembro de 2010

Sobre Política e Jardinagem

Recebi este texto de uma grande amiga e, nesses tempos de campanhas políticas de baixo nível,gostei da forma que o autor compara com os Jardins.
O texto é de Rubem Alves, Psicanalista e professor emérito da Unicamp
De todas as vocações a política é a mais nobre. Vocação do latim "vocare", quer dizer "chamado". Vocação é um chamado interior de amor: chamado de amor por um fazer. No lugar desse fazer o vocacionado quer fazer amor com o mundo. Psicologia de amante: faria, mesmo que não ganhasse nada.
Política vem de polis, cidade. A cidade era para os gregos um espaço seguro, ordenado e manso, onde os homens podiam se dedicar à busca da felicidade. O político seria aquele que cuidaria desse espaço. A vocação política, assim, estaria a serviço da felicidade dos moradores da cidade.
Talvez por terem sido nômades no deserto, os hebreus não sonhavam com cidades; sonhavam com jardins. Quem mora no deserto sonha com oásis. Deus não criou uma cidade. Ele criou um jardim. Se perguntássemos a um profeta hebreu âo que é política?, ele nos responderia: a arte da jardinagem aplicada as coisas públicas.
O político por vocação é um apaixonado pelo grande jardim para todos. Seu amor é tão grande que ele abre mão do pequeno jardim que ele poderia plantar para si mesmo. De que vale um pequeno jardim se a sua volta está o deserto? É preciso que o deserto inteiro se transforme em jardim.
Amo minha vocação que é escrever. Literatura é uma vocação bela e fraca. O escritor tem amor, mas não tem poder. Mas o político tem. Um político por vocação é um poeta forte: ele tem o poder de transformar poemas sobre jardins em jardins de verdade.
A vocação política é transformar sonhos em realidade. É uma vocação tão feliz que Platão sugeriu que os políticos não precisam possuir nada: bastar-lhes-ia o grande jardim para todos. Conheci e conheço muitos políticos por vocação. Sua vida foi e continua sendo motivo de esperança.
Vocação é diferente de profissão. Na vocação, a pessoa encontra a felicidade na própria ação. Na profissão, o prazer se encontra não na ação. O prazer está no ganho que dela se deriva. O homem movido pela vocação é um amante. Faz amor com a amada pela alegria de fazer amor. O profissional não ama a mulher. Ele ama o dinheiro que recebe dela. É um gigolô.
Todas as vocações podem se transformar em profissões. O jardineiro por vocação ama o jardim de todos. O jardineiro por profissão usa o jardim de todos para construir seu jardim privado, ainda que, para que isso aconteça, ao seu redor aumente o deserto e o sofrimento.
Assim é a política. São muitos os políticos profissionais. Posso, então, enunciar minha segunda tese: de todas as profissões, a política é a mais vil. O que explica o desencanto total do povo em relação à política. Guimarães Rosa, questionado por Günter Lorenz se ele se considerava político, respondeu: "Eu jamais poderia ser político com toda essa charlatanice da realidade. Ao contrário dos legítimos políticos, acredito no homem e lhe desejo um futuro. O político pensa apenas em minutos. Sou escritor e penso em eternidades. Eu penso na ressurreição do homem.
Quem pensa em minutos não tem paciência para plantar árvores. Uma árvore leva muitos anos para crescer. É mais lucrativo cortá-las.
Nosso futuro depende dessa luta entre políticos por vocação e políticos por profissão. O triste é que muitos que sentem o chamado da política não tem coragem de atendê-lo, por medo da vergonha de ser confundido com gigolô e de ter que viver com gigolôs.
Escrevo para você, jovem, para seduzi-lo a vocação política. Talvez haja um jardineiro adormecido dentro de você. A escuta da vocação é difícil, porque ela é perturbada pela gritaria das escolhas esperadas, normais, medicina, engenharia, computação, direito, ciência. Todas elas são legítimas se for vocação. Mas todas elas são afunilantes: colocá-lo num pequeno canto do jardim, muito distante do lugar onde o destino do jardim é decidido.
Acabamos de celebrar os 500 anos do Descobrimento do Brasil. Os descobridores ao chegar não encontraram um jardim. Encontraram uma selva. Selva não é jardim. Selvas são cruéis e insensíveis, indiferentes ao sofrimento e à morte. Uma selva é uma parte da natureza ainda não tocada pela mão do homem.
Aquela selva poderia ter sido transformada num jardim. Não foi. Os que sobre ela agiram não eram jardineiros, mas lenhadores e madeireiros. Foi assim que a selva, que poderia ter se transformado jardim, para a felicidade de todos, foi sendo transformada em desertos salpicados de luxuriantes jardins privados, onde poucos encontram vida e prazer.
Há descobrimentos de origens. Mais belos são os descobrimentos de destinos. Talvez, então, se os políticos por vocação se apossarem do jardim, poderemos traçar um novo destino.
Então, em vez de desertos e jardins privados, teremos um grande jardim para todos, obra de homens que tiveram o amor e a paciência de plantar árvores em cuja sombra nunca se assentariam.

4 comentários:

  1. Lúcia Bezera de Paiva25 de setembro de 2010 às 19:56

    Maravilhoso texto! Rubem Alves é realmente um dos maiores pensadores brasileiros da atualidade. Que bela analogia!

    Parabéns a você, Maiza, por nos trazer este belo texto!

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  2. Oi Lúcia,
    ao invés das baixarias das campanhas, nada melhor que esta comparação.

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  3. oi Marisa gostei muito vc esta de parabens

    eu tabem tenho eu blog sobre plantas da uma olhadinha
    um bejo

    programadrplantas.blogspot.com

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  4. Ok, Dr, Planta, vou olhar.
    Obrigada pela visita ao blog

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